Fraqueza de Deus

Por José Comblin

Boa parte do ateísmo contemporâneo baseia-se na objeção enunciada com muita força no passado por J. P. Sartre e retomada pelos seus discípulos: “Se Deus existe, eu não sou nada”.

Se existe um Deus onipotente, o que ainda sobra para mim? Essa presença ao meu lado do poder absoluto torna irrisórias todas as minhas ações. Diante do infinito, todo o finito torna-se irrelevante. Há muitas maneiras de enunciar o argumento.

A objeção foi formulada desde a Idade Média, mas não conseguiu convencer. A resposta diz que Deus e o homem não se situam no mesmo plano, como duas liberdades em competição.

A resposta não convenceu porque durante séculos os teólogos debateram a questão da predestinação, isto é, da compatibilidade entre a liberdade de Deus todo-poderoso e a liberdade humana. Assim fazendo, situaram no mesmo plano as duas liberdades. Se os teólogos – tomistas, dominicanos e jesuítas – tomaram essa posição durantes séculos, não é estranho que filósofos façam a mesma coisa.

De qualquer maneira, a pessoa sente tantas vezes o conflito entre a sua vontade, o seu desejo e o que diz que é a vontade de Deus, que a reação parece inevitável. Os sartreanos sustentam que, para ser livre, é necessário negar a existência de Deus. Infelizmente para eles, Deus não depende das negações ou das afirmações de Sartre.

A verdadeira resposta está na fraqueza de Deus. O nosso Deus é um Deus “escondido” – tema constante da tradição espiritual cristã.

É um Deus que se manifesta no meio da nuvem, que se faz perceptível, mas não impõe a sua presença.

A liberdade consiste justamente nisto: diante do outro, a pessoa pára, reconhece e aceita que exista. Abre espaço, acolhe. Longe de dominar, escuta e permite que o outro fale primeiro. Assim Deus suspende o poder de Deus.

Nenhuma evidência, nenhuma ameaça, nenhum constrangimento força nem obriga. Deus permite e deixa fazer. Deus respeita o outro na sua alteridade e permite, até mesmo, que o outro se destrua sem intervir. A liberdade de Deus consiste em permitir e ajudar a liberdade do menor dos seres humanos. A liberdade de Deus reprime o poder. Torna-se fraca para que possa manifestar-se a força humana.

O hino de Filipenses 2.6-11, núcleo da cristologia paulina, expressa essa fraqueza de Deus. Pois o aniquilamento de Jesus incluía o aniquilamento do Pai: “Esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de escravo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se a foi obediente até a morte, e morte de cruz!” (Fp 2.7-8).

Deus escondeu o seu poder até a ponto de as autoridades de Israel não o reconhecerem. É desta maneira que Deus se dirige às pessoas: sem intimidação, sem poder, na dependência de seres humanos, entregando a própria vida nas mãos de criminosos. Quem dirá que dessa maneira Deus faz violência às pessoas?

Como comentou Levinas, o outro é o desafio da liberdade, a provocação que a desperta. Diante do outro há duas atitudes: examiná-lo para ver em que lê me poderia ser útil ou qual é a ameaça que representa para mim, ou então, perguntar-me o que eu poderia fazer para ajudá-lo.

A liberdade de Deus autolimita-se. Diante da sua criatura, Deus limita sua presença. Deus preferiu antes deixar que crucificassem o seu Filho a intervir para impedir tal justiça. Trata-se de fraqueza voluntária.

É verdade que durante muitos séculos, sobretudo na pregação popular, os pregadores apresentaram uma concepção bem diferente de Deus. Usaram temas e comportamentos da religião popular tradicional: medo diante do trovão, medo da seca e de cataclismos naturais – entendidos como castigos divinos –, medo das doenças recebidas também como castigos e assim por diante.

Era fácil despertar o temor a partir de idéias puramente pagãs ou supersticiosas. Essa pregação de terrorismo religioso podia dar resultados imediatos, levando milhares de pessoas aos sacramentos. A longo prazo, porém, destruíram as bases da credibilidade da Igreja. Hoje a maioria das pessoas deixaram de ter medo do trovão, não sendo mais motivo para temer a Deus, como foi no passado. Naquele tempo achou-se válido o método do temor, todavia hoje recolhe-se os frutos dessa pastoral.

Pensou-se que os povos precisassem temer um Deus forte – e desprezariam um Deus fraco. Tais erros se pagam cedo ou tarde. Estamos pagando hoje esse preço.

Deus torna-se fraco porque ama. Quem mais ama é sempre mais fraco. Não será essa a grande característica das mulheres? Quase sempre amam mais, e, por isso, sofrem mais. Porém, nessa fraqueza consentida não estará a maior liberdade?

Nessa fraqueza a pessoa vence todo o egoísmo, todo o desejo de prevalecer, toda a preguiça de aceitar maiores desafios. Exige mais de si própria, vai mais longe, além das suas forças. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (João 15.13). Aí está também a expressão suprema da liberdade.

A fraqueza de Deus vai até a ponto de se tornar suplicante. O versículo predileto do saudoso teólogo latino-americano Juan Luís Segundo diz; “Eis que estou batendo na porta: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo (Apocalipse 3.20).

Deus bate na porta e aguarda. Se não é atendido, afasta-se e continua o caminho. Somente entra se é convidado. Depende do convite da pessoa. Deus torna-se pedinte, suplicante.

Extraído de “Vocação para Liberdade“, de José Comblin, publicado pela Editora Paulus.

Fonte: Pavablog (Grifos de Ricardo Gondim)

7 thoughts on “Fraqueza de Deus

  1. Tenho apenas uma ressalva quanto à escolha da palavra “fraqueza”.
    Tal fraqueza que tenta ser demonstrada nada mais é do que o caráter exotérico do Cristianismo moderno. Aquele no qual Deus não vai atrás de ninguém; cada um deve, por seu livre arbítrio, procurá-lo.
    Os sofrimentos inerentes à humanidade são consequência da fase em que nos encontramos – de transição – entre a era da expiação e a era da regeneração.
    O Deus forte, cruel, que aflige com medo as pessoas, é aquele do velho testamento – um Deus ciumento, possessivo, por vezes cruel e até mesmo injusto; muito diferente do Deus de compaixão, paciência e amor apresentado pelo Novo Testamento, acompanhando – em parte – a palavra do Cristo homem.
    Que, na verdade não se deu à cruz, mas sim à ela foi jogado!
    Assassinado pelo povo, que preferiu Barrabás, àquele Deus “fraco” por amar.
    Mas na verdade, esta “fraqueza” é a maior Força de Deus: a força do amor, a força sofrida, mas que a tudo vence e tudo esclarece!!
    Paz e continue com o excelente trabalho

    Like

  2. Necessário seria, para evitar escandalos, que fosse dado mais ENFASE, de que tal artigo não quiz dizer que Deus possua fraqueza (penso eu), mas QUE ELE SE FAZ DE FRACO PARA GANHAR OS FRACOS…. pois… admitir-se que o todo poderoso Senhor DEUS possua alguma “fraqueza”… é negar, explicitamente, a sua ONIPOTÊNCIA, logo, a intenção do autor foi, de fato, querer alegar que existe alguma FRAQUEZA no todo poderoso Senho DEUS, então, esse autor, nesse artigo, especificamente, PECA COPIOSAMENTE, e que todo o seu falar, sobre esse assunto, SEJA ANÁTEMA….. E louvado seja nosso DEUS, sempre e sempre!!!

    Like

    • Grande Oscar! É um grande prazer encontrá-lo comentando em meu blog, mesmo que seja criticando! Não me estranhe. Fomos criados na mesma fé, Eu, você, Chiquinho (Agora Dr. Francisco), Cidinha, Rosani e Conceição, lembra-se? Igreja Missionária?
      Com relação ao texto, se o autor está errado, como explicar tanta miséria e tanta injustiça no mundo presente? Onde está Deus que não vê isso? Sabe onde Ele está? Ele está aguardando que você e eu e todos os cristãos façamos a nossa parte. Jesus disse a Pedro: “O que ligares na terra será ligado no céu…” O que significa isso? Significa que a Obra de Deus está nas mãos dos homens. Deus é tão forte quanto a fé operada pelas obras de seus servos. Se os cristãos cruzam os braços e só criticam, então a obra fica por fazer. Aliás, é por isso que há tanta miséria e tanta injustiça e tanta incredulidade no mundo. O nosso livre arbítrio é conservado sempre. Isto não anula o amor de Deus. Seu amor foi provado na cruz do calvário.

      Saudades meu amigo!
      Um forte abraço,
      Daril

      Like

  3. Caro Daril,

    Excelente artigo, parabéns. Aos que não o entenderam fica o direito basico de discordarem.

    Esse erro, mais a negação da ciência cobra hoje um preço alto para as religiões cristãs.
    Na minha visão, a ciência com a teoria da evolução de Darwin traz dezenas de questões que corroboram a existência de Deus (tipo : porque machos e fêmeas?porque tanta diversidade de flora e fauna?porque tanta interdependência na terra entre animais e vegetais por exemplo?porque precisamos de ar e agua?
    a evolução ao acaso, sabia que as moleculas do caldo inicial teriam que evoluir para usar os elementos abundantes na terra? ou foram guiados e planejados por Deus ?
    No entanto nossas religiões insistem em negar a ciência ao invés de usa-la para seu bem,falando em Adão e Eva,mulher feita de costela de homem,mundo feito em 6 dias com descanso no sétimo.
    Isso não convence ninguem e da margem para ateus justificarem seus pontos de vista e encher o mundo de maldades.

    um abraço

    Marcos

    Like

    • Obrigado pela contribuição Marcos!
      Eu acredito que problema não é bem esse que você citou. Na verdade existem dois extremos nesta história e os dois são prejudiciais. Por um lado algumas linhas teológicas defendem que Deus, como Soberano, tem todas as minúcias do que ocorre com o ser humano em suas mãos. Se você crer assim não sobrará lugar para o livre-arbítrio do homem. O outro extremo é exatamente aquele defendido pela maior parte dos cientistas: Que não há Deus e que tudo o que existe veio a existir por obra do acaso.
      Com relação a ciência, não sei quem é mais dogmático: A religião ou a Ciência? Existe toda uma máquina de interesses escusos por trás da ciência nos nossos dias. Grandes laboratórios, grandes universidades, governos, grandes empresários e a mídia tendenciosa que os acompanha. Só é divulgado o que interessa aos planos desta grande “Máquina”. Com isso quem perde é toda a população que é dirigida como uma boiada para o matadouro, verdadeira massa de manobra.
      O texto de José Comblin propõe equacionar este problema sem cair nos extremos citados acima. Deus é Soberano, mas com relação à sua criatura, escolheu “se esconder” e dar-lhe total liberdade de escolha. Só é possível encontrar Deus através da fé.
      Os coitados dos cientistas não encontraram Deus, portanto Ele não existe? Se Deus fosse passível de investigação pelo homem, Ele não seria Deus, mas o homem é que seria Deus! Paulo, afirma isso em 1Coríntios: “Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação…Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” (1 Coríntios 1:21, 25)

      Um abraço,

      Like

  4. Não entendi bulúfalas, artigo estranho à nossa concepção de Deus.Sem fundamento teológico. Horrível, uma agressão ao próprio Deus, que coisa estranha, pense um pouco antes de publiccar tais artigos.Um abraço.

    Like

    • Prezado Nelson, é uma pena que não tenha entendido o texto. Talvez se você ler com mais calma e sem preconceitos poderá ver que se trata de um texto riquíssimo e muito bem fundamentado na teologia cristã.
      José Comblin, doutor em teologia escreveu mais de 60 livros e centenas de artigos. Serviu no Brasil praticamente toda a sua vida ministerial apesar de ser Belga. Sua folha de serviços foi muita extensa. Um homem honrado, cuja obra foi admirada até mesmo pelos batistas que são, justamente, tão seletivos.
      Leia estes artigos meus, que trazem mais luz ao assunto:

      O fruto proibido em pleno século XXI

      Deus é Justo? Uma questão legal.

      Um abraço

      Like

Leave a comment